sábado, 26 de maio de 2012

O Garimpeiro



Romance "O Garimpeiro" inicia-se, na toada de Bernardo Guimarães, com a descrição de uma paisagem edênica. A natureza é sempre rica de árvores, pássaros, frutas, ribeirões, ares amenos, horizontes tranqüilos. Os personagens são introduzidos neste mundo sem maior delonga e imediatamente postos em ação. Sabemos onde estamos, sabemos o tempo de início dos acontecimentos, e conhecemos logo o Major, suas filhas e escravas. E também Elias, "aquele moço de Uberaba". Lúcia e Elias amam-se.

O episódio da cavalhada no capítulo segundo, página obrigatória de algumas antologias de há alguns anos, aparentemente serve apenas para a defesa dos costumes interioranos, a apresentação de um personagem estranho ao meio, o comerciante Azevedo, e melhor conhecimento do protagonista Elias e do Major.

O pai de Lúcia desencadeia a ação. Embora reconheça as qualidades de seu recomendado, o moço Elias, sobrepõe, a todos os méritos morais, físicos e intelectuais do jovem cavaleiro, o amor da fortuna. Elias é pobre e não poderá casar-se com Lúcia.

Azevedo é pretendente sem maiores possibilidades. O narrador, opondo Corte e Província, litoral e sertão, traça do fluminense um retrato digno dos peralvilhos da cidade. Depois, é sobrepujado por Leonel, o baiano de Sincorá, dono de mais dinheiro. A figura do Major é lamentável. Nem sequer tem nome. Tem um ofício. E, com o ofício, os pequenos preconceitos do tempo e das pequenas sociedades. Funciona à moda de um leiloeiro. A prenda em leilão é a filha. Quem oferecer o maior lance ficará com ela. Afastado Azevedo, restam Alias e Leonel.




Os leitores do romance romântico não se enfadem ao reencontrar o dinheiro, a fortuna, como elemento de tensão no enredo das narrativas. Se, na história dos casamentos, a riqueza influiu em nosso dias, seria estranhável se no século XIX assim também não acontecesse. Não se precisa aqui, nesta obra, recorrer a mudança de estruturas sociais que assinalaram a passagem do século XVIII para o XIX. O caso é muito simples. Quando Leonel aparece, o Major está arruinado. Teme enfrentar o público entregando Lúcia a Leonel para restaurar a posição perdida. A filha é apenas uma mercadoria colocada no balcão. Este é o preço. Quem a poder comprar a levará.

Qual o comportamento de Elias nessas circunstâncias? A conquista de Lúcia exige dinheiro. Corre, então, à procura da fortuna. O meio oferece-lhe a garimpagem. Procura no leito das águas o diamante. A sorte não o favorece em Minas. Demanda às terras diamantíferas da Bahia. Vai para Sincorá. De Sincorá regressa abarrotado ... de notas falsas.

É interessante observar o personagem Elias. Construído dentro da fôrma inteiriça do homem bom, reflete as imposições martirizantes da pobreza como abstáculo na realização do amor. A agitação interna oriunda de seu medo, de suas ânsia, do desespero até à idéia do suicídio e do assassinato provoca naturalmente a agitação exterior manifesta num contínuo transporta-se de lugar a lugar. Elias está sempre em movimento e num movimento de idas e vindas. A comunicação entre os amantes se faz por bilhetes e cartas. Esse movimentar-se, porém, não é desordenado. Possui uma finalidade: derrubar o entrave da pobreza e assim conquistar a mulher amada. Nesse caso, a cavalhada descrita no capítulo segundo está parecendo funcionar como um símbolo. Cumpre superar os empecilhos, derrotar os adversários e receber o troféu da vitória das mãos da amada. O herói atravessa as dificuldades todas exigidas pelas regras do torneio e o romance termina feliz, não obstante se estar ao pé de um sepulcro.

Elias é ajudado na conquista de sua felicidade por forças superiores. Temos a promessa feita a Nossa Senhora do Patrocínio e temos o prognóstico de uma cigana: a estrela de pedra no leito do rio. Essa heterogeneidade de crenças ajusta-se perfeitamente na cabeça de Simão, o misto de índio e africano, cafuzo no rigor das palavras e não caboclo assim como será chamado um pouco depois. Salva-se, no entanto, o romancista com um "parecia ser...". Simão servira ao pai de Elias em Diamantina. A fidelidade ao moço, a perseverança no trabalho e a fé em Deus fazem surgir o diamante salvador.

O velho Simão, moribundo, é assistido e quase roubado por uma criatura estranha que aparece e desaparece de cena sem maiores explicações do narrador. Chegamos a conhecê-la pelos terríveis epítetos que recebe: bruxa, harpia e demônio.

Dessa forma, a cigana é esquecida. O diamante é prêmio do céu e do céu é a exigência, por conseguinte, do casamento a realizar-se.

Os defeitos do Major são por ele mesmo jogado às costas da "sociedade (que) tem tais exigências...". Isto é: não se casa por amor, casa-se por dinheiro. As desculpas do Major, sua auto-reabilitação se fazem com um belo diamante -- o diamante encontrado por Simão -- luzindo entre os dedos!...

Cumpre assinalar ao lado de Simão, fiel amigo de Elias, a escrava Joana, fiel amiga de Lúcia. São os confidentes dos amantes. Joana é alforriada aos rogos de Lúcia. O major, em suas aperturas econômicas, não a poderá vender. Joana é alforriada aos rogos de Lúcia. O amor da branca vem a conservar, ao seu lado, a escrava. O amor da escrava-livre a faz conservar-se ao lado da branca-senhora. É otimista o relacionamento entre senhores e as poucas escravas negras no sítio do Major. Não aparecem outras menções à escravatura. O romance publicado em 1872, apenas pela rama toca no problema que, já nessa época, agitava-se no Brasil: a abolição da escravatura, em que 1888 viria a realizar-se. Neste ano já estava morto Bernardo Guimarães (1825-1884). 

O romancista mineiro escreve como conhecedor perfeito do espaço onde localiza a ação e as figuras que movimentam a história. Embora pague sua dívida às imposições da ficção romântica estereotipando os personagens e os eventos, há um sentido profundo de realidade naquilo que narra. Talvez esse sentido profundo de realidade se perceba com maior nitidez nas obras de Bernardo Guimarães por nelas não aparecer aquele verniz de "literatura" no mau sentido da palavra.

A procura da realidade em Bernardo Guimarães, ao que parece na propositada, mas natural, é arma de dois gumes: se, de um lado, oferece ao leitor pouco ou menos exigente a impressão da realidade perfeita, de outro a negligência de quem escreve, como se falasse, mancha-lhe o estilo de senões perfeitamente evitáveis. Se o autor se desse ao mínimo cuidado de cortas as excessivas repetições, apagar os ecos e outros pequenos defeitos de seus discurso, teria evitado a censura de desleixo com que sempre o acusam.

Não obstante a justiça das corrigenda, as narrativas de Bernardo Guimarães, breves e movimentadas, conduzem o leitor quase sempre a um desfecho feliz com o prêmio para a virtude e o castigo para o vício. Quase nada se percebe nos romances do espírito folgazão do romancista. Quase nada se percebe nos romances do espírito folgazão do romancista. Faz da ficção uma escola de bons costumes e para isso reveste-se da compostura de um diretor de consciência.

Bernardo Guimarães não é apenas o defensor de nossos hábitos interioranos, das virtudes caseiras, de nossas tradições. É o defensor do homem naquilo que nele encontra de melhor: o caráter. E o exemplo está em Alias, o garimpeiro

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