terça-feira, 3 de setembro de 2013

Dom Casmurro




Enredo

O narrador inicia o livro justificando o título e por que resolveu escrevê-lo. Chama-se Dom Casmurro, pois foi um apelido dado ao personagem principal, Bento Santiago, e diz que escreve por falta do que fazer. 

Bento era filho de D. Glória, uma mulher bondosa. Vivia em sua casa em Matacavalos junto com seu tio Cosme que havia enviuvado, sua prima Justina também viúva e um agregado, José Dias. Seu pai já havia morrido. 

Dona Glória, que havia perdido o primeiro filho, fez uma promessa a Deus, que se lhe abençoace com um filho vivo esse iria para o seminário quando fosse o tempo e se tornaria padre. Nasceu Bento. Quando ele tinha seus quinze anos foi lembrada a sua mãe a promessa que fizera e que já era tempo de cumpri-la. 

Bento sabendo da sua partida próxima para o seminário foi ter com sua amiga, Capitu. Os dois eram amigos de infância e dessa amizade nasceu um amor. Ele lhe contou sobre a promessa e os dois desde já começeram a lutar buscando formas de evitar a separação que viria. Decidiram então pedir que José Dias lutasse por eles. 

Certo dia ao visitar Capitu, Bento lhe penteou os cabelos, ao terminar acabaram se beijando. O romance deles ia crescendo e tomando forças, e a ida ao seminário trazia o medo da separação, em uma tarde então juraram um ao outro que se casariam. 

O novo ano chegou e Bento foi para o seminário. Lá fez um amigo, Escobar, foi o único com quem cogitou contar a jura feita à Capitu, mas essa não lhe permitiu. Sempre aos sábados ele retornava a sua casa onde revia seus familiares e Capitu. 

D. Glória e Capitu se aproximavam e isso alegrava Bento que via a aprovação de sua mãe. Escobar logo passou a frequentar a casa dele e toda a família aprovou. Era agora amigo de Capitu também. Sendo assim, estanto os dois no seminário trocaram segredos, Bento lhe contou sobre o seu juramento e Esobar lhe contou que também não seria padre, amava o comércio. 

Em uma das visitas, Bentinho teve por Capitu um acesso de ciúme acreditando que ela lhe traia apenas por olhar com um rapaz que passava na rua. Capitu lhe disse que por mais uma lhe rompia o juramento. 

A essa altura D. Glória queria que Bento voltasse. Muitos planos para o abandono da promessa vieram, por fim ela tomou um orfão e esse foi encaminhado ao seminário, Bentinho aos vinte e dois anos era bacharel em Direito. Como tinha a aprovação da mãe casou-se com Capitu e foram pra Tijuca.

Escobar havia casado com Sancha, uma grande amiga de Capitu, sendo assim se alternavam entre jantares na Tijuca e no Flamengo. Escobar logo foi pai de uma menina, mas a Bento não vinha essa benção. Até que esse foi pai de um filho único, Ezequiel. O tempo passava o menino crescia e tinha mania de imitar os outros, mania que tentavam lhe tirar, mas sem sucesso. 
Escobar morreu, durante seu velório Bentinho notou em Capitu um sentimento diferente embora ela não tenha chorado, a viúva de Escobar partiu para o Paraná com a filha. 

Ezequiel ia crescendo e nele se via Escobar rapaz. Bento via no filho o jeito de andar, rir, conversar, comer do amigo morto. O ciúme e a dúvida acerca de uma traição que se comprovava na igualdade de Ezequiel com Escobar pôs fim na família Santiago. Bento se mantinha longe e recluso, Ezequiel acabou indo para um colégio de onde só voltava aos sábados. E era nos dias de sua volta que Bento fugia de casa, ver o filho era comprovar a traição que sofrera. 

Bento já atorduado resolve suicidar, tentou, mas abandonou o plano. Por fim foram para Europa de onde apenas ele regressou, vivia então só, e às vezes viajava até a Europa apenas como disfarçe ao povo que lhe perguntava sobre a mulher e o filho, quando ia lá não os procurava. As correspondências que trocava com Capitu eram breves e secas, já as dela não. 

Sua mãe, tio Cosme, José Dias todos se foram. Este último antes de ver o regresso de Ezequiel. Ele voltou, Capitu havia morrido e estava enterrada nas terras da Suiça. Ver Ezequiel era ver Escobar, no jeito de rir, comer, falar, andar, em tudo. 

Mesmo assim Bento fez o papel de pai, financiou lhe uma viagem à Grécia, Egito e Palestina, pois Ezequiel amava a arqueologia. 

Ao fim, Ezequiel morreu de febre tifóide, foi enterrado em Jerusalém com as palavras “tu eras perfeito nos teus caminhos”. Dom Casmurro apenas conclui que sua maior amiga e seu melhor amigo foram unidos pelo destino e enganaram-o.



Personagens principais



Bentinho/Dom Casmurro

Dividido entre a saudade da juventude irrecuperável e a meditação sobre seu caminho existencial, Bento Santiago ora manifesta certa condescendência diante do espetáculo do mundo, apreciando certos prazeres da vida, ora demonstra seu desencanto em reflexões melancólicas sobre a realidade. Este último sentimento, que domina a fase de maturidade do protagonista/narrador, acaba dando o tom a todo o romance. Consciente de sua ingenuidade no passado, não exacerba seu pessimismo e se mantém num equilíbrio filosófico que lhe permite assimilar as lições da vida e viver com certa paz interior. Em termos estritamente pessoais, Bento Santiago é um homem que pagou o preço de sua existência e aparou o suficiente os golpes do destino para poder ordenar a realidade e manter sua identidade. Em termos sociais, é o membro de uma classe superior para quem tudo se resume, na vida, em saber salvar as posses e as aparências, o que, em última instância, é a mesma coisa.

Capitu

Mudando de classe social através das armas da inteligência e da sensualidade, Capitu, com seus 'olhos de cigana oblíqua e dissimulada', se perde - para o protagonista/narrador - em virtude de um autocontrole pouco desenvolvido, isto é, em virtude de não submeter-se aos limites impostos pela condição social a que ascendera. Mostra-se capaz de envolver Bentinho mas incapaz de dominar o mundo em que passa a integrar-se após seu casamento. Seu destino é ser 'expurgada' do grupo.

Escobar

Com um perfil pouco desenvolvido no romance, Escobar é, em síntese, um homem de ação, pouco dado a especulações sobre o mundo. Sua carreira de comerciante e seu gosto pelo esporte - que o leva à morte - o contrapõem a Bento Santiago. É um personagem simples e linear, o que o configura como um perfeito parceiro de traição.

Sancha

Mais limitada e menos vital que Capitu, Sancha é seu oposto, como fica claro no fugaz incidente com Bento Santiago, quando ela recusa a dar o passo que levaria além dos limites impostos à sua condição de mulher casada.

D. Glória

Uma boa criatura, descendente de famílias tradicionais da aristocracia mineira e paulista, D. Glória se atém rigidamente às normas do grupo social e, apesar de ser ainda bela e jovem ao tornar-se viúva, recusa qualquer outro tipo de ligação com homens, dedicando-se às tarefas de administrar os bens, cuidar do lar e educar o filho. Como diz o protagonista/narrador, 'teimava em esconder os saldos da juventude, por mais que a natureza quisesse preservá-la da ação do tempo'. É a figura clássica da matrona ilibada e inatacável.

José Dias

Amante dos superlativos e da bajulação, as convicções de José Dias oscilam de acordo com os interesses dos membros da família a que se agregara. Neste personagem, Machado de Assis traça um perfil magistral de um grupo social típico da sociedade escravocrata brasileira do séc. XIX: o homem livre, mas sem posses, que, tanto por seu próprio interesse quanto por interesse da classe proprietária, integra-se em um clã e perde a própria identidade em troca dos favores que o mantêm vivo, livre e desfrutando de certo status social.

Padre Cabral

Apesar de ocupar um lugar discreto na obra, o padre Cabral encarna, claramente, a Igreja como instituição, como um núcleo de poder que, em plano secundário mas com certa importância, caracterizava a sociedade brasileira do séc. XIX, particularmente antes da República, a partir da qual separaram-se Igreja e Estado.

Estrutura narrativa

Em 218 capítulos, geralmente bastante curtos, Dom Casmurro é a narração, feita em primeira pessoa pelo próprio protagonista, da vida de Bento de Albuquerque Santiago, o Bentinho. A trajetória existencial recomposta vai do ano de 1857 até meados da década de 1890, quando o narrador, já quinquagenário, se debruça sobre o passado, apresentando-o e, ao mesmo tempo, analisando-o à distância, do que resulta uma estrutura narrativa em que se alternam a narração da ação e a reflexão sobre a mesma, ambas tendo por palco o RJ da segunda de do século XIX.

Comentário crítico

Unanimemente considerada como uma das obras-primas da ficção brasileira e colocada em destaque entre as cinco principais obras de Machado de Assis - ao lado de Quincas Borba, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Esaú e Jacó e O Alienista - Dom Casmurro nunca deixou de estar em evidência ao longo de quase um século de sua publicação, enfrentando, assim, as vicissitudes críticas comuns à obra machadiana.
Diante da inegável importância da ficção de Machado de Assis e de sua fluidez, que recusa qualificativos e teorias, e não raro monta armadilhas para análises que pretendam ser totalizantes, a crítica, ao longo do tempo, reagiu das mais variadas formas. Alguns censuram no autor a falta de um compromisso mais direto com a realidade, posição que, de pernas para o ar, acabou na visão, muito em voga até recentemente, segundo a qual sua obra possuía tal universalidade que tornava impossível referi-la a um contexto histórico determinado. Outros, numa posição que também fez fortuna, destacaram na obra machadiana a atmosfera de humour, nascido de uma fusão de tristeza e enfado diante da vida. Este seria o Machado de Assis 'filósofo'.
A visão biografista, aplicada a outros romancistas de sua época, também atingiu o autor de Quincas Borba. Ao tentar explicar a obra a partir da vida do autor, o biografismo, no caso do autor, chegou ao extremo de considerar seu humour, o desencanto diante da vida que transparece em suas obras, como resultado de sua recusa em assumir a condição de mulato. Neste sentido, a visão de mundo presente na obra machadiana seria o produto de um desejo intenso, frustrado em virtude da barreira representada pela consciência da própria cor, de arianização social e branqueamento ideológico. Como em todos os casos, tal interpretação biografista não vai além de uma observação sobre o autor - que pode até ser verdadeira mas que é sempre dispensável - e nada diz especificamente sobre a obra.
Nas últimas décadas, a crítica machadiana tendeu a tomar outra direção, orientando-se decididamente no sentido de uma análise profunda da obra em si e dando especial atenção aos elementos históricos nela contidos. E então não foi difícil perceber que, ao contrário do que faziam supor muitas posições críticas até ali sustentadas, Machado de Assis apresenta com extrema profundidade e de maneira bastante explícita a sociedade carioca e brasileira das últimas décadas do séc. XIX, expondo claramente sua estrutura de classes e seus mecanismos de poder.
Nos últimos anos, esta visão histórica da obra machadiana acentuou-se ainda mais.
Assim, nesta perspectiva, a incapacidade de ação, o pessimismo existencial, a crise de identidade e mesmo a loucura que caracterizam os personagens mais importantes do mundo ficcional do autor seriam o símbolo de um país econômica e culturalmente dependente e dominado por uma elite colonizada e sem perspectivas históricas diante da maré montante do liberalismo industrial/capitalista europeu, que minara, ao longo da segunda de do século, a última das grandes formações sociais escravistas do planeta.
Como se pode observar, a própria diversidade das interpretações dá bem a medida daquela que talvez possa ser considerada a mais importante das características do mundo ficcional do autor e da galeria de seus grandes personagens: o caráter esquivo e ambíguo que parece exigir e, ao mesmo tempo, repelir todos os enquadramentos teóricos.
Se o exposto pode ser considerado verdadeiro no que se refere à obra de Machado de Assis como um todo, o é muito mais ainda em relação a Dom Casmurro. De todos os romances do autor, este é, com certeza, o mais popular, seja no sentido de ser, possivelmente, o mais lido, seja no sentido de abordar um tema popular, do que deve resultar, aliás, sua capacidade de atingir um universo mais amplo de leitores. De fato, Dom Casmurro é a história de uma traição. É evidente que a obra é bem mais complexa do que pode fazer supor tal afirmação, mas é inegável também que o núcleo essencial do enredo, isto é, dos fatos narrados, é formado pela existência de um triângulo amoroso e pelas consequências daí resultantes.
Como era natural, além de cair no agrado do grande público leitor, o casal de protagonistas, Bentinho e Capitu, tornou-se, ao longo do tempo, um dos centros de atenção das análises feitas pela crítica a respeito de Dom Casmurro, a tal ponto que, em alguns casos, o romance ficou reduzido a única questão: Capitu traiu ou não traiu? Sob este ponto de vista, Dom Casmurro passou a ser não a história de uma traição - afirmação sem dúvida abonada pelo texto - mas a história da dúvida sobre uma traição, o que, a partir de uma leitura honesta, é uma evidente e injustificada extrapolação. Para Bento Santiago, o narrador, não há a mínima dúvida do valor das provas circunstanciais de que dispõe: Ezequiel é filho de Escobar. E o texto não coloca, em momento algum, em questão o valor destas provas circunstanciais, nem do ponto de vista objetivo - o valor em si das mesmas - nem de um ponto de vista subjetivo - a capacidade de discernimento do protagonista. No texto, Bento Santiago é antes um ingênuo - por perceber tarde demais o problema - do que um monomaníaco ou um obsessivo. Ele é apresentado, aliás, como um exemplo perfeito de normalidade, segundo se pode deduzir de sua vida posterior à morte dos que o rodeavam. Afirmações como 'o texto é uma visão distorcida, pois é a visão de Bentinho' ou 'a narrativa de Capitu seria diferente' são hipotéticos absurdos, a não ser que se queira ver Dom Casmurro como uma grande armadilha montada por este mestre da narrativa que é Machado de Assis com o objetivo de divertir-se às custas de seus leitores de todas as épocas.
Seja como for, esta discussão acabou sendo muito justamente relegada a um plano sem importância e a crítica prefere hoje salientar elementos cuja presença no texto é inegavelmente sólida. Em primeiro lugar, retomando o velho tema, nunca abandonado nos estudos sobre Dom Casmurro, do humour machadiano, procura analisá-lo em outro plano, localizando-o historicamente. Nesta perspectiva, a mistura de serenidade e desencanto perante a vida - encarnada por Bento Santiago mais do que por qualquer outro personagem de Machado de Assis - deixa de ser apenas um genérico olhar de tristeza lançado sobre a condição humana e passa a símbolo da falta de perspectivas e da decadência de uma elite que, sobre uma estrutura escravista, montara uma paródia aristocrática nos trópicos dominados pelo empuxo avassalador do capitalismo industrial anglo-francês. Sereno mas incapaz de ação, conformado mas pessimista, Bento Santiago carrega em si o fim de um tempo e, em sua lucidez, vinga-se de todos, a todos sobrevivendo e de todos fazendo o necrológio.
Um necrológio, contudo - e este é o segundo ponto em que insistem mais recentes - que é um registro minucioso da sociedade do RJ e, por extensão, do Brasil litorâneo da segunda de do século passado. Do prosaico dia a dia da cidade aos valores culturais então dominantes, das formas de namoro às relações de classe, da estrutura do casamento à estrutura econômica e aos caminhos de ascensão social dentro dela - um dos quais a carreira eclesiástica -, tudo aí está fixado para a posteridade com o rigor de um gravurista. Com o rigor de um mestre da narrativa realista/naturalista do Ocidente, na qual sem dúvida, Dom Casmurro tem um lugar reservado.

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