segunda-feira, 17 de junho de 2013

Poemas de Manuel Bandeira

Poética
 Estou farto do lirismo comedido
 Do lirismo bem comportado 
 Do lirismo funcionário público com livro de ponto 
 expediente
 protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor. 
 Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar 
 no dicionário 
 o cunho vernáculo de um vocábulo. 
 Abaixo os puristas 

 Todas as palavras sobretudo os barbarismos
 universais 
 Todas as construções sobretudo as sintaxes de
 excepção
 Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis 

 Estou farto do lirismo namorador 
 Político
 Raquítico 
 Sifilítico 
 De todo lirismo que capitula ao que quer que seja 
 fora 
 de si mesmo 
 De resto não é lirismo 
 Será contabilidade tabela de co-senos secretário 
 do amante exemplar com cem modelos de cartas 
 e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, 
 etc. 

 Quero antes o lirismo dos loucos 
 O lirismo dos bêbados 
 O lirismo difícil e pungente dos bêbedos 
 O lirismo dos clowns de Shakespeare 

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

 VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA  
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha falsa e demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as hitórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Paságarda tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que quero
na cama que escolherei
Vou-me embora para Pasárgada.

 Pneumotorax
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.
...................................................................................................
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão
direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

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