Visionário sonhador inicia uma luta no congresso para tornar o tupi-guarani um idioma oficial. Para conseguir seu objetivo, ele conta com a ajuda de amigos.
Crítica:
por Pablo Villaça
Dirigido
por Paulo Thiago. Com: Paulo José, Giulia Gam, Ilya São Paulo, Antônio
Calloni, Bete Coelho, Othon Bastos, Cláudio Mamberti, Tonico Pereira,
Fernando Eiras, Luciana Braga, Jonas Bloch, Nelson Dantas, José Lewgoy,
Chico Diaz, José Dumont, David Pinheiro, Antônio Pedro, Paulão, Carlos
Gregório e Aracy Balabanian.
O Brasil precisa de mais Policarpos
Quaresma. Na verdade, se cada um de nós possuísse apenas um décimo do
amor de Quaresma pelo Brasil, nosso país seria outro. É claro que o
patriotismo do personagem é extremo, quase caricato: ele quer mudar a
língua oficial para tupi-guarani e trabalha de cocar, entre outras
excentricidades. Mas a mensagem é belíssima. O filme, baseado no livro Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, é uma farsa repleta de momentos hilários (como a seqüência do batalhão de loucos) e, também, líricos (como a cena em que Policarpo `faz amor` com a terra, sob a chuva). O universo criado pelo diretor Paulo Thiago não é o nosso nem o de 100 anos atrás. Aqui os personagens se comportam de uma maneira tão atípica que o espectador chega a ter a impressão de estar assistindo a um tele-teatro. Esse distanciamento da realidade contribui ainda mais para o impacto da história.
Para quem ainda não teve a oportunidade de ler o livro, a sinopse é a seguinte: Policarpo Quaresma é um homem completamente alucinado pela idéia de fazer do Brasil um país grandioso. Para conseguir esse objetivo, ele bola estratégias amalucadas, prega o retorno do tupi-guarani e insiste em redigir documentos oficiais (ele é funcionário público) nesta língua. Finalmente, ele é enviado a um hospício, onde acaba convencendo o médico responsável de que ninguém ali é louco. `A média dos medíocres não deveria ser a lei.`, passa a argumentar o próprio Dr. Mendonça.
A partir daí, Quaresma resolve se dedicar à agricultura, cedendo, inclusive, boa parte de sua propriedade a um grupo de `Sem-Terra` que lhe pedira auxílio. O filme ainda conta a Revolta da Armada, quando Policarpo oferece seu apoio ao então Presidente Floriano Peixoto.
Paulo José está simplesmente fabuloso como o personagem-título. O ator transmite tamanha sinceridade e ingenuidade, que não há como a platéia não se render a Policarpo e torcer por ele. Seu patriotismo contagia. De um otimismo incurável, Quaresma chega a redigir um Memorial que, de acordo com ele, `resolverá todos os problemas do país.`.
No entanto, o filme tem alguns problemas graves, que comprometem o resultado final: a personagem Olga (Giulia Gam), por exemplo, não se encaixa no contexto da história, realmente. Suas cenas funcionam como uma espécie de anti-clímax durante toda a projeção. Seu drama, sua relação com o marido, seu amor por Quaresma são mostrados de maneira tão `pesada` que simplesmente parecem pertencer a outro filme. Há uma cena protagonizada por ela, já no final, que de tão dramática soa falsa, `deslocada`. Giulia Gam tem um bom desempenho, não há dúvidas quanto a isso. Porém, sua personagem não merecia - ou não deveria - ter tido tanto destaque.
Além disso, a produção preocupou-se tanto em se cercar de atores `globais` que chegou a fazer algumas escolhas inadequadas. O marido de Olga, vivido pelo ator Fernando Eiras, é um exemplo disso. A atuação de Eiras deixa a desejar e, dada a importância conferida pelo roteiro de Alcione Araújo ao conflito entre ele e a esposa, compromete bastante. É claro que nem todos estão `deslocados`: a presença de Chico Diaz é luminosa, bem como a de Jonas Bloch. Os demais estão apenas corretos. Uma pergunta: por que não dar chance a atores menos marcados? Até os personagens `sub-coadjuvantes` ganham intérpretes famosos. Um desperdício de talento e oportunidade, realmente (Aracy Balabanian quase não aparece no filme!).
Finalmente, o filme é um pouco longo demais. E o pior é que existem cenas, já próximas do final, totalmente dispensáveis, como aquela em que Olga conversa com seu pai sobre o destino de Policarpo e aquela em que Ricardo Coração dos Outros discute com Genelício. Se tivesse quinze minutos a menos, o filme sairia ganhando.
Apesar dessas pequenas `falhas`, Policarpo Quaresma, Herói do Brasil é um filme que deve ser visto e apreciado por suas qualidades, a saber: um personagem principal maravilhoso (com uma interpretação de Paulo José à altura); uma história farsesca e extremamente divertida; uma parte técnica bastante competente (destacando-se, aí, a Direção de Arte e os Figurinos) e, finalmente, uma direção correta que valoriza o potencial da história.
Policarpo Quaresma é, em suma, nosso D. Quixote. Aliás, esta comparação chega a ser literal no momento em que o personagem está exterminando as saúvas de seu milharal: usando uma máscara para se proteger do gás, Policarpo parece estar com um elmo na cabeça, deixando apenas seu cavanhaque e seus pontudos bigodes à mostra, numa reprodução fiel do herói de Cervantes. Além disso, é maravilhoso seu amor pelo nosso país e o que ele é capaz de fazer para conseguir alcançar seus objetivos.
`Nossa nação é mendiga de heróis.`, diz ele em certo momento. Já não é mais: Quaresma ocupa, magnífico, este posto.
21 de Maio de 1998
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