sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Desmundo - Ana Miranda

 

I- Autora:
Ana Miranda nasceu em Fortaleza, Ceará, em 1951. Cresceu em Brasília e mora no Rio de Janeiro desde 1969. Publicou dois livros de poesia – Anjos e Demônios e Celebrações do Outro; os romances Boca do Inferno, O Retrato do Rei, Sem Pecado e A Última Quimera, todos pela Companhia das Letras. Tem livros publicados em diversos países, entre eles Inglaterra, França, Estados Unidos, Alemanha, Itália, Espanha e Suécia.
Recebeu o prêmio Jabuti em 1990.
II- Estrutura Narrativa:
Romance de 213 páginas, Desmundo é narrado em 1a. pessoa pela personagem Oribela. O livro é dividido em 10 partes e cada uma delas, em pequenos capítulos. São elas:
• A Chegada
• A Terra
• O Casamento
• O Fogo
• A Fuga
• O Desmundo
• A Guerra
• O Mouro
• O Filho
• O Fim
III- Resumo:
Esta história se passa em 1555 e começa quando mandam à rainha uma carta pedindo que fossem enviadas mulheres para se casarem com os cristãos, que estavam no Brasil.
Oribela é uma das órfãs e conta tudo como foi, desde a viagem até o destino de cada órfã. Conta sobre as dificuldades que tinham durante a viagem, que acontecia de muitas pessoas morrerem, inclusive morreu uma órfã, Dona Isobel. Elas eram em sete órfãs ao todo. Quem as acompanha é um padre e uma velha freira, fora os tripulantes da nau Senhora Inês.
Na primeira parte, Oribela conta como foi a chegada. Na segunda parte, como era a terra, como eram os índios. Na terceira parte fala como foi preparado o casamento das órfãs. Conta que foram os padres quem as acolheram, davam comida, porém era proibido que os meninos as vissem. Elas também não viam os padres, apenas pela janela cruzando o pátio. Assim, Oribela conheceu Francisco Albuquerque, que no princípio ela não queria casar, por achar que não era digna de homem nenhum e também porque ele a repugnava, por seus modos e aparência. Sofreu muitos castigos do padre e também dona Birdes de Albuquerque, tia de Francisco tentou convence-la a todo o custo. Por fim, Oribela acabou aceitando, mas não amava seu marido. A quarta parte conta como era o relacionamento entre eles, pessoas que participam da narrativa. A quinta parte fala de algumas fugas de Oribela, que não amava o marido. Tentou várias vezes a fuga e numa dessas, vestiu-se de homem. A sexta parte mostra a amizade de Oribela com a Temericó, nativa, que lhe conta sobre os costumes da terra. A natural, acha que Oribela é uma rainha, mas Oribela a considera muito burra. A sétima parte fala nas disputas, nos tempos de agonias. Lutas pelo poder na terra brasileira. Índios e cristãos lutavam, muito provavelmente porque os índios não aceitavam ser escravos, estavam sendo aculturados e explorados. A oitava parte, Oribela sente-se tão culpada pelo mal que as pessoas em sua voltam sentem que ela tem um sonho em que ela está pagando com a mutilação do seu corpo e quando acorda conhece um mouro, Ximeno, que a protegeu e a escondeu. Eles acabaram se envolvendo e Oribela fica grávida. A nona parte trata da descoberta da gravidez de Oribela e que o filho é de Ximeno. Neste capítulo, Oribela encontra Bernardinha e depois, a velha freira. Francisco de Albuquerque a encontra em companhia da velha e ameaça matar a freira, mas só ameaça. Oribela é levada de volta e parece que os dois vivem em harmonia até que Francisco de Albuquerque descobre que o filho não é seu e sim, do mouro, por isso, rapta a criança. No capítulo 10 há a passagem em que Oribela fica desesperada devido ao rapto do filho e coloca fogo em toda a casa, mas vê Ximeno vindo em sua direção com a criança. É um final aberto. Que possibilita muitas interpretações.
Constata-se que o tema central da história é a mistura de mundos, ou seja, é uma paródia da formação étnica brasileira e a tentativa de desmitificar a história, tão bonita, mas que encobre o sofrimento de muitas pessoas e “as sujeiras da nobreza da época”.
Nem todas as pessoas que vieram para o Brasil o fizeram por idealismo, a maioria procura riqueza e interesses econômicos. No Brasil, há uma mistura de raças muito grande, dos índios, dos portugueses (cristãos), espanhóis, como se percebe em alguns trechos do livro “todalas” (mistura de português e espanhol), palavras e frases em espanhol, judeus (Urraca era judia), mouros,....


“Desmundo” quer dizer, então, todos os mundos misturados, desfazem o mundo bonito mostrado pela história. Na narrativa, eles se desmancham e se reúnem em uma coisa só.
III- Principais personagens:
Oribela – Fruto do adultério da mãe, a quem perde durante o parto, Oribela vive a infância torturada pelo ódio e despeito do pai, que vem a falecer de desgosto, poucos anos depois de perder o que tinha com jogo, mulheres e bebida. Cresce numa casa de órfãs e, ao atingir maioridade, ela e mais cinco “irmãs” são enviadas ao Brasil para se casarem com cristãos, haja vista a escassez de mulheres no país. De estrutura miúda, franzina, pele muito branca e longos cabelos cacheados, Oribela encerra dentro de si uma alma antagônica, ora impetuosa e seduzida pelas paixões do mundo, ora resignada, temente a Deus e repulsiva diante do pecado. Embora saudosa de Portugal, decide apostar na nova terra e no que o destino lhe reserva, pois, otimista, cheia de sonhos e esperanças, espera ser apenas feliz ao lado do futuro marido, - a quem ainda não conhece, poder servir-lhe, cuidar de sua casa e dar-lhe filhos saudáveis. Porém, não aceita o casamento nem o esposo, a quem repele incessantemente. Em sua última fuga, após várias tentativas, é acolhida e protegida por um mouro, por quem acaba se apaixonando.
Isobela, Tareja, Pollonia, Urraca e Bernardinha – Órfãs que acompanharam Oribela na viagem, enviadas de Portugal ao Brasil com a mesma finalidade. Conforme as crendices da época, mulheres numa embarcação eram sinônimo de mau agouro e só poderiam trazer desgraça, ainda mais no número sete. Por esta razão, Isobela, para proteger suas companheiras e atenuar a tripulação masculina, atenta contra a própria vida, atirando-se ao mar. Antes, deixa seu par de sapatos a Oribela, que não o tinha; Pollonia, asmática; Tareja, jovem e inexperiente, e Bernardinha, sem vaidades e irmã mais velha de Tareja. Ambas descendem de família nobre e abastada, porém, perdem seus pais em um acidente. Estando as três casadas, apenas a última, como Oribela, revolta-se contra o destino, pois o marido, além de lhe causar repugnância, a maltratava. Certa noite, ao tentar fugir com Oribela, trajada de homem, é descoberta e impedida pelo esposo, a quem acaba assassinando com mais de cem punhaladas enquanto dormia. É presa e detida numa gaiola em praça pública, açoitada, apedrejada, exposta aos desatinos do tempo, até ser levada à total demência.
Velha – Confidente de Oribela, era uma espécie de guardiã e aia das órfãs, pelas quais se responsabilizara durante a viagem e a curta estada das moças no abrigo, até a chegado do casamento. Passiva, raramente se pronunciava, a não ser com o intuito de aocnselhar e alertar suas protegidas quanto às suas obrigações de boa esposa. Ex-freira, fora expulsa do convento por ter engravidado do rei de Anunciada, em uma das suas visitas ao mosteiro.
Parva – Demente, degredada ao Brasil. Exposta a todo tipo de humilhações durante a travessia do oceano, era mantida amarrada no convés pelos tornozelos, tendo como única defesa as palavras desmedidas e as blasfêmias que lhe saíam da boca. Chegando ao Brasil, tornou-se uma andarilha.
Padre Gago – Vivera no povoado, mas fugira em decorrência de ter vendido um noviço em leilão, o que acabou despertando comentários duvidosos. Contudo, dizia-se que era generoso e de bom coração, fazendo muita falta às senhoras e moças que não tinham com quem se confessar e andavam descontentes com a desordem.
Dona Brites de Albuquerque – Mulher do governador. Vivendo de ostentações e aparências, julga ser o dinheiro e a riqueza capazes de comprar a tudo e a todos, sendo a partir de tais princípios que acaba persuadindo Oribela a casar-se com seu sobrinho.
Francisco de Albuquerque – Sobrinho de Brites de Albuquerque. Nascido em uma aldeia, vivera com os pais num estábulo. Fora um pobre mercador que, com o objetivo de enriquecer, arrendara uma colônia. Agora tinha terras, mesmo à custa de fome e sofrimento. Enamorara-se instantaneamente por Oribela, que cuspira-lhe o rosto na primeira tentativa de aproximação, manifestando todo o seu desprezo. Embora rejeitado, pagaria por ela quantas vacas custasse. Criador de vacas, semblante grave e severo, seu aspecto era degradante: faltavam-lhe dentes, tinha pernas finas, nariz quebrado, olhos tristes, pele rechaçada, cabelos imundos, mas de um coração e generosidade inigualáveis. Justo com os empregados e naturais, preocupava-se e zelava por todos. Durante o pouco tempo de casamento, dedicou-se inteiramente à esposa, porém, envolvia-se sexualmente com as naturais, por despeito à rejeição de Oribela.
Perra de Albuquerque – Mãe de Francisco de Albuquerque. Viúva, transformou-se numa pessoa amarga, fria, extremamente introspecta e, por vezes, ardilosa e maquiavélica. Depositava todo o sentido de sua vida no filho, de quem recebia os mais variados mimos e agrados. Porém, vê-se desbancada de seu trono com a chegada da nora, tentando, pior esta razão, assassinar Oribela e o filho que esta trazia no ventre, dando-lhe leite azedo todas as noites. Acaba sendo morta a punhaladas por Francisco após uma discussão entre ambos, por afirmar que Oribela está a espera de um filho bastardo.
Viliganda – Irmã caçula de Francisco. Viliganda é uma garota problemática, não fala, não sorri e vive sorrateiramente pelos cantos da casa. Sua única serventia na casa consiste em tirar as botas do irmão quando este retorna do trabalho no campo. Seu desequilíbrio aumenta após presenciar o assassinato da mãe, sendo levada ao celeiro e mantida amarrada, por ordens do irmão.
Temericô – Habitante nativa do país, torna-se aia e confidente de Oribela em suas fantasias, enquanto esta mantém-se esposa de Francisco. Fiel e muito afeiçoada à patroa, Temericô em sua inocência, ensina a Oribela a língua de seu povo, através de rezas e canções, sendo, por tal ousadia, severamente punida.
Ximeno Dias – Ximeno é navegador. Homem simples, rústico, é independente e leva uma vida solitária, pois não tem família ou parentes. Acolhe Oribela após sua última e frustrada tentativa de fuga, jurando protege-la da ira do marido. Aos olhos d moça, Ximeno é uma fonte inesgotável de conhecimento, pois é sabedor dos mistérios do mundo e guarda respostas para todas as suas indagações, fazendo-a perceber sua completa igonrância. Ainda que reduzida e fascinada, a figura do mouro causa-lhe certo temor, pois Ximeno é muçulmano. Torna-se o pai do filho de Oribela.
IV- Comentários Finais:
Desmundo, de Ana Miranda, é uma obra definida por traços predominantemente contemporâneos, captados a partir da nítida presença dos princípios de várias escolas literárias, que se fundem num jogo de imagens e palavras muito bem estruturado.
Sendo o contexto remetido à época da colonização, percebe-se a recorrência aos valores do período, tanto em padrões culturais como comportamentais, enfatizando principalmente a religião e a instauração da doutrina católica, que propaga a figura de um Deus punitivo, cujo principal indicador é o pecado. Desta forma, ocorrem as contradições que avassalam a existência humana, gerando conflitos entre o sonho e a realidade, a liberdade e a escravidão, o amor e o ódio, o pecado e a virtude, o corpo e o espírito.
Além disso, nota-se a forte tendência da narrativa em ressaltar as incoerências e disparidades envolvidas na tipificação masculina e feminina, demonstrando que esta, irremediavelmente, acaba sucumbindo diante da imponência do homem, senhor absoluto de todas as iniciativas e decisões.
O papel da mulher é limitadíssimo, pois é tratada como um ser meramente servil, que tem por finalidade a exclusiva missão de procriar.
Apela-se, também, a descritivismo que investiga a origem dos antagonismos da alma, aliando-se, também, às determinações do meio e da raça, fatores que submetem o homem a diversos condicionamentos.
Enfim, a obra mantém seu valor e caráter moderno, apresentando inovações na linguagem que, mesmo apresentando vocabulário rebuscado em junção a expressões indígenas, é construída a partir de uma concepção que extrapola a estrutura sintática formal, estabelecendo ritmo e harmonia entre as palavras, mesmo tratando-se de um texto em prosa.
“Desmundo” justifica-se pelo fato de ser esta a denominação dada por Oribela ao mundo ao qual agora pertencia e a situação em que vivia, tendo que abordar as lembranças trazidas de sua terra natal.

Veja o trailer do filme:



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